Rui GARRIDO, Catherine MAIA
No dia 28 de maio, por ocasião do Dia Mundial de África, teve lugar em Genebra o Colóquio Internacional do Gengibre Literário, realizado sob a égide das autoridades suíças, da União Africana, da Francofonia e do Senegal, no qual foram debatidas questões relativas às reparações dos colonialismos, nas suas dimensões jurídica, política e simbólica. O ano de 2025, proclamado pela União Africana como o "Ano da Justiça para Africanos e Pessoas de Ascendência Africana por meio de Reparações", oferece um contexto particularmente propício a esta reflexão, que o caso de Portugal ilustra de forma especialmente elucidativa.
Com efeito, em 2024, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa reconheceu publicamente a responsabilidade histórica dePortugal nos crimes coloniais – um gesto até então impensável, que abriu caminho a uma eventual reparação. Mas como traduzir esse reconhecimento em factos concretos, e sobretudo, em direito?
O principal obstáculo continua a ser o
princípio da intertemporalidade, herdado da sentença arbitral Island of
Palmas (1928), segundo o qual um ato só pode ser julgado de acordo com as
normas jurídicas em vigor à data da sua prática. Este princípio dificulta
qualquer reconhecimento jurídico dos crimes coloniais, que à época não estavam
codificados como tal.
No entanto, emergem contestações a esta visão
estática do direito. Alguns invocam a cláusula Martens (1899), que recorda a
autoridade das “leis da humanidade” e da “consciência pública” no direito
humanitário; outros apoiam-se em abordagens críticas do Sul Global, apelando a
uma releitura ética e descolonial do direito internacional.
Em Portugal, este debate sobre as reparações não
teve qualquer expressão até 2019, quando se começou a discutir a restituição de
artefactos africanos em espaços museológicos nacionais. Por outro lado, a ideologia do lusotropicalismo,
cunhada por Gilberto Freyre em 1950 e amplamente instrumentalizada pelo regime
autoritário de Salazar (1933-1974), apresentava a colonização portuguesa como
mais branda (ou humana) do que a dos outros impérios. No entanto, essa visão
idealizada não resiste à análise histórica dos factos perante os diversos
massacres perpetrados nas colónias portuguesas.
Do ponto de vista jurídico, alguns factos ocorridos
após a adesão de Portugal à ONU em 1955, poderão constituir violações de
obrigações internacionais. Todavia, o facto de o país só ter começado a
ratificar os principais tratados relativos aos direitos humanos após 1975, na
sequência do regime democrático instaurado pela Revolução dos Cravos de 25 de
Abril de 1974, limita qualquer responsabilidade formal.
Neste contexto, permanecem no entanto três vias
possíveis de reparação: a via legislativa, a exemplo da lei de 2015 sobre a
naturalização dos judeus sefarditas expulsos da Península Ibérica no século XV,
que poderia inspirar mecanismos simbólicos semelhantes para os descendentes das
populações nativas dos territórios coloniais; a via diplomática, através de
acordos de cooperação reforçada com as antigas colónias; e a via societal,
centrada na memória, no ensino, na restituição patrimonial e no reconhecimento
histórico no espaço público.
Seja qual for o país, a justiça pós-colonial
deve começar, acima de tudo, com uma vontade política sincera, com uma palavra
que vincula, e com atos que a acompanhem, para que o direito – que se pretende
instrumento de paz – não permaneça surdo às vozes que clamam por justiça.
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