O Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH) tem a satisfação de dar a público o 19º número de sua Revista, instrumento pelo qual contribui com periodicidade anual e distribuição gratuita ao desenvolvimento do ensino e da pesquisa na área dos direitos humanos, visando a promovê-los, de forma ampla, mas principalmente na realidade brasileira. No entendimento do IBDH, o ensino e a pesquisa em direitos humanos giram em torno de alguns conceitos básicos, devendo-se afirmar, de início, a própria universalidade dos direitos humanos, inerentes que são a todos os seres humanos, e consequentemente superiores e anteriores ao Estado e a todas as formas de organização política. Por conseguinte, as iniciativas para sua promoção e proteção não se esgotam – não se podem esgotar – na ação do Estado.
Há que destacar, em primeiro plano, a interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais e culturais). Ao propugnar por uma visão necessariamente integral de todos os direitos humanos, o IBDH adverte para a impossibilidade de buscar a realização de uma categoria de direitos em detrimento de outras. Quando se vislumbra o caso brasileiro, dita concepção se impõe com maior vigor, porquanto desde seus primórdios de sociedade predatória até o acentuar da crise social agravada nos anos mais recentes, nossa história tem sido até a atualidade marcada pela exclusão, para largas faixas populacionais, seja dos direitos civis e políticos, em distintos movimentos, seja dos direitos econômicos, sociais e culturais.
A concepção integral de todos os direitos humanos se faz presente também na dimensão temporal, descartando fantasias indemonstráveis como a das “gerações de direitos”, que têm prestado um desserviço à evolução da matéria, ao projetar uma visão fragmentada ou atomizada no tempo dos direitos protegidos. Todos os direitos para todos é o único caminho seguro. Não há como postergar para um amanhã indefinido a realização de determinados direitos humanos.
Para lograr a eficácia das normas de proteção, cumpre partir da realidade do quotidiano e reconhecer a necessidade da contextualização dessas normas em cada sociedade humana. Os avanços nesta área têm-se logrado graças, em grande parte, sobretudo, às pressões da sociedade civil contra todo tipo de poder arbitrário, somadas ao diálogo com as instituições públicas. A cada meio social está reservada uma parcela da obra de construção de uma cultura universal de observância dos direitos humanos.
Os textos, em vários idiomas, que compõem este número da Revista do IBDH, a exemplo das edições anteriores, enfeixam uma variedade de tópicos de alta relevância atinentes à temática dos direitos humanos. O novo número também antecede a realização em Fortaleza do VII Curso Brasileiro Interdisciplinar em Direitos Humanos: O Desafio dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 19 a 30 de agosto de 2019, uma iniciativa conjunta do IBDH e do Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH), em parceria com o Centro de Estudos e Treinamento da Procuradoria Geral do Estado do Ceará e o Centro Univesitário Farias Brito, contando com o apoio de numerosas instituições locais, nacionais e internacionais.
Este Curso, que reúne uma centena de participantes nacionais e estrangeiros, representa um divisor de águas na trajetória do IBDH, abrindo-lhe portas para alianças estratégicas com instituições públicas e privadas.
No presente domínio de proteção impõem-se maior rigor e precisão conceituais, de modo a sustentar a vindicação dos direitos humanos em sua totalidade, e a superar o hiato existente entre o ideário contido na Constituição Federal e nos tratados em que o Brasil é Parte e nossa realidade social. Essa dicotomia entre “falar e agir” provoca um considerável desgaste e uma descrença generalizada. Isso é deplorável, na medida em que devemos não apenas conhecer nossos direitos, mas também saber defendê-los e exigir sua proteção por parte do poder público, reduzindo assim o espaço ocupado pela injustiça, pela violência e pela arbitrariedade.
Proclamações de direitos não são suficientes, como já alertava há décadas o lúcido pensador Jacques Maritain, para quem não é admissível perverter a função da linguagem, a serviço dos que nos roubam a fé na efetivação dos direitos humanos, inerentes aos seres humanos e à sua condição de dignidade. Aos direitos proclamados se acrescem os meios de implementá-los, inclusive diante das arbitrariedades e mentiras dos detentores do poder. Entende o IBDH que o direito internacional e o direito interno se encontram em constante interação, em benefício de todos os seres humanos.
Assim sendo, o IBDH persiste em manifestar sua estranheza ante o fato da não aplicação cabal do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal Brasileira vigente, de 1988, o que acarreta responsabilidade por omissão. A juízo do IBDH, por força do art. 5º, § 2º, da Carta Magna, os direitos consagrados nos tratados de direitos humanos em que o Brasil é Parte se incorporam ao rol dos direitos constitucionalmente consagrados. Impõe-se tratá-los dessa forma, como preceitua nossa Constituição, a fim de alcançar uma vida melhor para todos quantos vivam em nosso país.
Nesse sentido, o IBDH continua repudiando as alterações introduzidas pelo posterior art. 5º, § 3º, da Emenda Constitucional nº 45 (promulgada em 08.12.2004), o qual revela inteiro desconhecimento da matéria, na perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos, dando ensejo a todo tipo de incongruências – inclusive em relação a tratados de direitos humanos anteriores à referida Emenda – ao sujeitar o status constitucional de novos tratados de direitos humanos à forma de aprovação parlamentar dos mesmos. Esta bisonha novidade, sem precedentes e sem paralelos, leva o IBDH a reafirmar, com ainda maior veemência, a autossuficiência e autoaplicabilidade do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal brasileira.
Na mesma linha de pensamento, o IBDH também rechaça as críticas de determinados detentores do poder a decisões de órgãos internacionais de supervisão dos direitos humanos, pelo simples fato de serem tais decisões desfavoráveis ao Estado brasileiro. Algumas críticas, reveladoras de ignorância, chegaram ao extremo de proporem represálias a órgãos internacionais que estão cumprindo o seu dever, em defesa dos justiciáveis. A esse respeito, nunca é demais recordar que os Estados Partes na Convenção Americana dos Direitos Humanos, que reconheceram a competência compulsória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, assumiram o compromisso de dar plena execução às Sentenças da Corte Interamericana. Isto se impõe bona fides, em razão do princípio geral do direito pacta sunt servanda. A nenhum Estado Parte é dado evadir-se do fiel cumprimento de suas obrigações convencionais.
Reiteramos, enfim, que a Revista do IBDH, como repositório de pensamento independente e de análise e discussão pluralistas sobre os direitos humanos, persegue o desenvolvimento do ensino e da pesquisa sobre a temática no Brasil. Desse modo, na tarefa de consolidação de um paradigma de observância dos direitos humanos em nosso meio social, espera o IBDH dar uma permanente contribuição.
Antônio Augusto Cançado Trindade
César Barros Leal
César Barros Leal
(Apresentação)
Conselho Consultivo do IBDH
Apresentação
Artigos
I. Antônio Augusto Cançado Trindade, Reflections on the international adjudication of cases of grave violations of rights of the human personDiscursos, resenhas e comentários
II. Antônio Colaço Martins Filho, Juridicidade da restrição do âmbito subjetivo do objeto das comissões da verdade em face do direito à verdade
III. Celiane Borges Cavalcante, Helena Esser dos Reis, Direitos humanos em (re)construção
IV. César Barros Leal, Violencia, seguridad pública y sistema prisional
V. César A. Villegas Delgado, Revisitando el proceso de humanización del derecho internacional en las primeras décadas del siglo XXI
VI. Damián González-Salzberg, Loveday Hodson, A policy of ‘quiet disregard’
VII. Danielle Annoni, Gabriela de Lucca O'Campos da Rosa, Estupro como crime de guerra e o tratamento da violência sexual pelo direito penal internacional
VIII. Estelí Martínez Consuegra, Salomón Augusto Sánchez Sandoval, Análisis del modelo de seguridad en México
IX. Jaime Ruiz de Santiago, El tema del derecho a la ciudad en algunos pensadores contemporáneos
X. José Euclimar Xavier de Menezes, Matheus Lins Rocha, A posição hierárquico-normativa dos tratados internacionais de direitos humanos
XI. Laís Locatelli, As mulheres e os direitos humanos no direito brasileiro
XII. Maria de Nazaré da Rocha Penna, Bauman, Arendt, Foucault e Agamben
XIII. Otávio Lacerda Mendonça, Luciana Zacharias Gomes Ferreira Coêlho, Globalização e trabalho análogo ao escravo
XIV. Patrícia Galvão Teles, Os direitos humanos 70 anos depois da Declaração Universal
XV. Philippe Couvreur, La jurisprudence de la Cour internationale de Justice en matière de droits de l’homme
XVI. Racquel Valério Martins, Educação em direitos humanos e para a cidadania democrática
XVII. Renato Alves Vieira de Melo, A cultura humanista e ambiental direcionada para um modelo de desenvolvimento sustentável
XVIII. Roberta Cerqueira Reis, Eichmann além de Jerusalém
XIX. Rodrigo S. F. Gomes, Proteção aos refugiados da Coreia do Norte
XX. Sílvia Maria da Silveira Loureiro, Izabela de Brito Silva, Victória Braga Brasil, Caso do Povo indígena Xucuru e seus membros v. Brasil
XXI. Antônio Augusto Cançado Trindade, La doctrine latino-américaine du droit international et la contribution de José Gustavo Guerrero
XXII. Olivier de Frouville, Libres propos autour du livre d’Antônio Augusto Cançado Trindade, “Le droit international pour la personne humaine”
XXIII. Danielle Annoni, Resenha: judge Antônio Augusto Cançado Trindade. The construction of a humanized international law. A collection of individual opinions (2013-2016).
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