Para velar pela protecção do Estado de direito e pelo respeito dos direitos e liberdades fundamentais dos Angolanos, a Constituição de 2010 tem previsto várias instituições não jurisdicionais entre as quais figura o Conselho da República. Consagrado pelo artigo 135 da Constituição de 2010, o Conselho da República é concebido como um órgão constitucional colegial de natureza consultiva do Presidente da República[1]. O Conselho da República apareceu pela primeira vez na história constitucional angolana no artigo 49 da Lei constitucional nº 12/91 de 6 de Maio segundo o qual: «O Conselho da República é um órgão estatal de consulta do Presidente da República para os assuntos ligados à evolução política da sociedade angolana, à vida da sociedade civil, à unidade nacional, paz, harmonia e estabilidade social»[2].
Uma lei ordinária determinaria a composição, as atribuições, bem como o funcionamento do referido Conselho, conforme o artigo 49.2 da Lei constitucional de 1991[3]. Tratava-se, no quadro da transição democrática provocada pela queda do muro de Berlim e pela implementação do processo de paz em curso naquela altura (processo de Bicesse), de criar um órgão moderador que possa auxiliar e aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções para a criação de um clima de paz e de sucesso do processo democrático.
Seguidamente, o Conselho da República foi consagrado na vigência da IIa República pelos artigos 75[4], 76[5] e 77[6] da Lei constitucional 23/92 de 16 de Setembro, que determinavam respectivamente suas competências, sua composição assim como a entrada em função, os privilégios e as imunidades dos seus membros. Mas, diferentemente da Lei constitucional de 1991, o artigo 75.1 al. f) da Lei constitucional de 1992 confiou a estruturação do Conselho da República ao domínio regulamentar, quer dizer, a um decreto presidencial[7].
Hoje em dia, e à semelhança da IIa República, a organização, o funcionamento e as competências do Conselho da República fundamentam-se no artigo 135 da CRA completado pelo decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro que aprova o regimento da referida instituição[8]. Todavia, no âmbito da proposta de revisão à Constituição enviada pelo Presidente da República à Assembleia Nacional a 2 de março de 2021, a arquitectura do Conselho da República mudará. Doravante, o Presidente do Tribunal Supremo integrará o Conselho por inerência de função e, para permitir uma ampla e diversificada representatividade da sociedade angolana neste órgão consultivo, o número de personalidades indicadas pelo Presidente da República passará de 10 a 15[9]. Aguardando por esta revisão constitucional, que provocará inevitavelmente a adopção de um novo decreto Presidencial que aperfeiçoará a organização e funcionamento do Conselho da República, o objectivo do presente estudo consiste em apreciar o decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro na sua actual contextura e quintessência.
Uma vez examinadas a organização e as competências do Conselho da República (I), tratar-se-á, seguidamente, de salientar as fraquezas do seu regimento e propor algumas pistas de soluções susceptíveis de contribuir na sua dinamização (II).
I. A arquitectura do Conselho da República
Tenciona-se examinar por um lado, a organização do Conselho da República (A) e, por outro lado, suas competências (B).
A. A organização do Conselho da República
A composição do Conselho encontra-se plasmada conjunta e identicamente nos artigos 135.2 al. a) a g) da Constituição de 2010 e 2.1 al. a) a g) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro. À luz dessas disposições constitucional e regulamentar, «o Conselho da República é presidido pelo Presidente da República e é composto pelos seguintes membros: a) Vice-Presidente da República; b) Presidente da Assembleia Nacional; c) Presidente do Tribunal Constitucional; d) Procurador Geral da República; e) Antigos Presidentes da República que não tenham sido destituídos do cargo; f) Presidentes dos partidos e coligações de partidos políticos representados na Assembleia Nacional; g) 10 cidadãos designados pelo Presidente da República pelo período correspondente à duração do seu mandato»[10]. Excepto o Vice-Presidente da República que substituiu o Primeiro-Ministro que existia de 1992 a 2010 por razão do regime semi-presidencial instaurado naquela altura, é possível constatar que a composição do Conselho da República é a mesma que estava determinada pelo artigo 76 da Lei constitucional de 1992.
A leitura dos artigos 135.2 al. a) a g) da Constituição e 2.1 al. a) a g) do decreto nº 1/19 de Janeiro mostra que o Conselho da República é composto por duas categorias de membros. Por um lado, há os membros de direito ou por inerência de funções, e por outro lado, os membros nomeados[11]. Para além de ambas as categorias de membros, existem os convidados permanentes às reuniões do Conselho da República, nomeadamente, o Presidente do Tribunal Supremo, o ministro de Estado do desenvolvimento económico e social, o ministro de Estado e chefe da casa civil do Presidente da República e, enfim, o ministro de Estado e chefe da casa de segurança do Presidente da República[12].
À luz do artigo 12 do decreto nº 1/19, o Conselho da República reúne-se ordinariamente duas vezes por ano e extraordinariamente sobre convocação do Presidente da República[13]. Aqui, importa salientar que o regimento do Conselho da República marcou um avanço significativo comparativamente aos textos precedentes até 2018 em que não existia a obrigatoriedade nem a fixação de periodicidade de reuniões, salvo se o Presidente assim o entender[14]. Quanto aos assuntos que devem ser objecto de consulta e de debate durante as reuniões do Conselho da República, dependem somente da vontade Presidente da República em virtude do artigo 19.1 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro[15]. Nesta perspectiva, as reuniões do Conselho da República, cujas ordens de trabalhos são unicamente definidas pelo Presidente da República, só podem se realizar em primeira convocação, estando presente a maioria simples do número dos seus membros em efectividade de função[16]. Caso não haja quórum suficiente para a realização da primeira reunião convocada, o Conselho da República pode reunir-se com qualquer número de membros e com a mesma ordem de trabalhos, através de uma segunda convocatória emitida passada 24 horas da data realização da primeira reunião[17].
No que diz respeito ao estatuto dos membros do Conselho da República, eles gozam das mesmas imunidades que os deputados da Assembleia Nacional[18], ganham o mesmo salário que os ministros[19], bem como beneficiam de outros privilégios enumerados no artigo 28 do regimento do Conselho[20]. Mas, em contrapartida dos direitos de que gozam, os membros do Conselho da República são sujeitos a alguns deveres previstos pelo artigo 27 do decreto nº 1/19 acima citado. À luz dessa disposição, os membros do Conselho devem respeitar o sigilo sobre os assuntos que lhe são submetidos durante o exercício do seu mandato[21], comparecer nas cerimónias oficiais para as quais são convocados nesta qualidade[22] e sobretudo, participar das reuniões do Conselho da República[23] sob pena de justificar sua ausência por escrito ao Presidente da República, através do Secretariado do Conselho[24]. Enfim, esses membros do Conselho da República devem se pronunciar sobre os assuntos submetidos à sua apreciação[25]. Analisando esses deveres, alguns aparecem como uma ameaça à independência dos membros do Conselho da República.
No tocante à duração do mandato dos membros do Conselho da República, ela depende da sua qualidade no seio deste órgão, em conformidade com os artigos 4 e 5 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro. Assim, segundo o artigo 4.1 do decreto 1/19, os membros de direito do Conselho da República enumerados no artigo 2.1 al. a), b), c), d) e f) iniciam suas funções com a tomada de posse ao cargo que determina sua qualidade de Conselheiro[26] e mantêm-se nessas funções enquanto exercerem os respectivos cargos que determinam a qualidade de Conselheiro[27]. No entanto, isso deixa entender que a duração do seu mandato depende da permanência no cargo que conferiu seu estatuto de Conselheiro, salvo em caso de renúncia, de perda dos seus direitos civis e políticos, de incapacidade física ou mental definitiva, de abandono de funções ou de morte[28].
Quanto aos antigos Presidente da República, o artigo 5 do regimento do Conselho da República ficou silencioso, não determinando a duração do seu mandato. Por conseguinte, é possível deduzir que os antigos Presidentes da República gozam de um mandato vitalício como membro do Conselho da República, excepto nos casos enumerados pelo artigo 5.3 e 4 do decreto acima citado, a saber, a renúncia, a perda dos direitos civis e políticos, a incapacidade física e mental definitiva, o abandono de funções ou a morte.
Enfim, quanto aos membros nomeados, eles gozam de um mandato cuja duração depende do mandato do Presidente que os designou[29], salvo nos casos fixados pelo artigo 5.3 e 4 do regimento do Conselho da República[30], ou por decisão do Presidente da República em virtude do artigo 5.5 do mesmo regimento[31].
Após o estudo da organização do Conselho da República, importa olhar para suas competências.
B. As competências do Conselho da República
Diferentemente da Lei constitucional de 1992 cujo artigo 75 determinava as competências do Conselho da República, a Constituição de 2010 silenciou-se, deixando essa responsabilidade ao domínio regulamentar[32], isto é, o decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro que aprova o regimento do Conselho da República.
Determinadas pelo artigo 3 do decreto nº 1/19, as atribuições do Conselho da República articulam-se em três pontos, a saber, aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções sempre que lhe solicitar, apreciar o regimento do Conselho da República e, por fim, apreciar os demais assuntos submetidos pelo Presidente da República[33]. Se, na verdade, as duas primeiras competências do Conselho da República consagradas no artigo 3 al. a) e b) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro são idênticas àquelas que foram fixadas pelo artigo 75.1 al. e) e f) da Lei constitucional de 1992, importa salientar, contudo, que o artigo 3 al. c) do decreto nº 1/19 racionaliza e amplia ao mesmo tempo as competências do Conselho da República, dispondo que: «O Conselho da República tem as seguintes competências: (…) c) apreciar os demais assuntos submetidos pelo Presidente da República»[34]. Este artigo 3 al. c) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro racionaliza na medida em que, diferentemente do artigo 75.1 da Lei constitucional de 1992, não enumera os assuntos que devam ser objecto de consulta, condensando assim sua fraseologia. Não determinando previamente os assuntos que devem ser objecto de consulta, essa disposição regulamentar amplia, por conseguinte, as competências do Conselho da República[35] porque pode se pronunciar sobre qualquer assunto relativo à vida política, económica ou social do país.
No fim das suas reuniões, o Conselho da República adopta resoluções ou recomendações cuja aplicação depende da boa vontade do Presidente da República. A análise da organização do Conselho da República demonstra que existem algumas lacunas ou limites que seria desejável corrigir, repensando o seu regimento.
II. Repensar o regimento do Conselho da República
O estudo do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro revela uma série de lacunas (A) que podem fragilizar seu bom funcionamento e manchar sua imagem. Para que isso não aconteça, torna-se necessário e urgente repensar o regimento do Conselho da República com vista a dinamizá-lo (B).
A. As lacunas do regimento
A composição do Conselho da República bem como o prestígio dos seus membros criaram grandes esperanças e expectativas no seio de todas as componentes da sociedade angolana. À semelhança do Conselho de Estado português, o Conselho da República aparece sucessivamente como um órgão consultivo do Presidente da República, de moderação dos seus poderes e como um quadro de concertação institucional entre ele, a oposição política, a sociedade civil e os Presidentes das outras instituições públicas enumeradas pelo decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro. Se é possível alegrar-se pela criação deste órgão que é raro em África, seu funcionamento levanta todavia algumas preocupações quanto a sua eficácia por razão dos problemas criados pelo decreto nº 1/19.
O primeiro problema colocado pelo decreto nº 1/19 que aprova o regimento do Conselho da República decorre do seu artigo 19 segundo o qual: «1. Compete ao Presidente da República fixar a ordem de trabalhos. 2. As reuniões do Conselho da República obedecem a ordem de trabalhos fixada na respectiva agenda. 3. O Presidente da República pode submeter à consulta dos membros do Conselho da República outros assuntos de carácter político que não constam da ordem de trabalhos do dia»[36]. Isso deixa entender que mesmo nos outros eventuais assuntos que possam ser abordados talvez na rubrica dos diversos durante as reuniões do Conselho da República, só podem provir do Presidente da República, sendo os outros membros inaptos para tal.
Porém, enquanto entidade conselheira do Presidente da República no exercício das suas funções, e enquanto espaço de concertação institucional entre o Chefe de Estado, as forças políticas e sociais assim como os Presidentes de instituições políticas e jurisdicionais (Presidente da Assembleia Nacional e Presidente do Tribunal constitucional), os assuntos a debater nessas reuniões podem ser fixados pelo Presidente da República ou pela maioria dos 4/5 dos membros do Conselho da República em efectividade de funções. Isso contribuiria no enriquecimento dos debates e na eficácia da acção da instituição. Com efeito, por razão da pertinência das recomendações do Conselho da República, o Presidente João Lourenço tomou nota da recomendação feita pelos seus membros durante sua reunião de 22 de Março de 2018, concernente a realização das eleições autárquicas em 2020[37].
O segundo elemento que limita o bom funcionamento do Conselho da República reside no artigo 17.4 e 5 do decreto acima referenciado. Segundo o artigo 17.4 do referido decreto: «Não havendo quórum suficiente para realização da reunião da reunião convocada, o Conselho da República pode reunir-se com qualquer número através de uma segunda convocatória emitida passadas 24 horas da data da realização da primeira reunião, sem prejuízo do disposto no artigo 6º do presente diploma»[38]. Quanto ao artigo 17.5 do mesmo decreto, dispõe que: «As faltas às reuniões do Conselho da República devem ser justificadas por escrito ao Presidente da República através do Secretariado do Conselho da República»[39].
Essas disposições são, por um lado, prejudicáveis à vivacidade democrática que o Presidente da República tem estado a imprimir às instituições públicas e, particularmente, à democracia interna que deve caracterizar o Conselho da República. Por outro lado, elas beliscam a independência dos membros do Conselho da República, sobretudo, dos membros nomeados pelo Presidente da República. Com efeito, é possível obrigar o Presidente do Tribunal constitucional a justificar por escrito sua ausência numa reunião do Conselho da República? Seguidamente, pode se forçar o Presidente da Assembleia Nacional, entidade eleita, representante do povo soberano, a justificar sua falta numa reunião do Conselho da República? Isso atenta ao princípio da separação dos poderes e da independência do juiz constitucional que não pode ser objecto de qualquer pressão. A justificação das referidas faltas nas reuniões do Conselho da República é da relevância da cortesia institucional que resulta da colaboração dos poderes.
Por exemplo, a falta de quórum para a realização da primeira reunião pode resultar de uma atitude de rejeição de alguns assuntos inscritos na ordem de trabalhos do dia ao passo que ao mesmo momento, questões de extrema importância foram negligenciadas e afastadas da agenda de trabalhos. Assim, ambas as disposições permitem que os membros minoritários do Conselho da República se reúnam em segunda convocatória e adoptem assuntos previamente rejeitados pelos membros ocasionalmente dissidentes, para em contrapartida, forçá-los a justificar-se por escrito ao Presidente da República[40], por ter violado seu dever de participação das reuniões do Conselho da República previsto pelo artigo 27 al. b) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro[41].
O terceiro problema colocado pelo regimento do Conselho da República prende-se, por um lado, com a ambiguidade do seu artigo 4.2 sobre a qualidade dos antigos Presidentes ainda que sejam membros de direito da República no seio do Conselho da República[42]. Ao passo que o artigo 4.1 do decreto nº 1/19 enuncia claramente que os outros membros de direito do Conselho da República enumerados nas alíneas a), b), c), d) e f) exercem suas funções na qualidade de Conselheiro, o artigo 4.2 do mesmo decreto silenciou-se incrivelmente sobre a qualidade dos antigos Presidentes da República no seio do Conselho da República. Sendo membros de direito do órgão consultivo, em pé de igualdade com outros mencionados nas alíneas acima citadas, os antigos Presidentes da República exercem suas funções na qualidade de quem? São conselheiros à semelhança dos outros membros de direito ou são membros honoríficos e observadores, etc? Por outro lado, este problema prende-se com o artigo 5 do regimento do Conselho da República. Prosseguindo e agravando a gafe monumental cometida pelo artigo 4.2 do mesmo regimento, o artigo 5 do decreto nº 1/19 de 7 de janeiro não consagra misteriosamente nenhuma disposição para a duração do mandato dos antigos Presidentes da República[43], que iniciam funções logo após a tomada de posse do seu sucessor, quer dizer, do novo Presidente da República. Simplesmente, propõe-se que esse mandato dos antigos Presidentes da República no seio do Conselho da República seja vitalício.
Ambas as imprudências ou faltas de diligência para com os antigos Presidentes da República demonstram uma falta de interesse ou uma repulsão para a presença destes no Conselho da República. Por conseguinte, isso constitui um atentado contra sua dignidade depois de anos de bons e leais serviços prestados à nação. Convém, portanto, corrigir ambas as disposições (artigo 4.2 e artigo 5 do decreto nº 1/19) com vista a dissipar todas as dúvidas relativas à qualidade e à duração do mandato dos antigos Presidentes da República.
Enfim, importa salientar que a redacção do artigo 5.3 e 4 do regimento do Conselho da República comporta um vício formal que seria desejável corrigir. Com efeito, este artigo dispõe que: «3. Sem prejuízo do disposto em lei especial, os membros do Conselho da República cessam funções nas situações seguintes: 4. Renúncia; a) Perda dos seus Direitos Políticos e Civis; b) Incapacidade física e mental definitiva; c) Abandono; d) Morte»[44]. A leitura dessa disposição mostra claramente que há um erro formal de redacção na medida em que as condições de cessação de mandato enumeradas no parágrafo 4 do artigo 5 do regimento do Conselho da República são as que o número 3 do artigo 5 tenciona enumerar. Consecutivamente, a existência do número 4 do artigo 5 do decreto nº 1/19 cria uma confusão, fazendo crer que os casos que provocam a renúncia são os que são mencionados nas suas alíneas a) a d). Porém, o surgimento de qualquer um desses casos provoca a cessação automática da função de membros do Conselho da República independentemente da vontade humana que fundamenta a renúncia.
A identificação dos limites do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro permite sugerir algumas pistas de soluções para corrigi-los e dinamizar o funcionamento do Conselho da República.
B. A dinamização do Conselho da República
A principal tarefa do Conselho da República consiste a auxiliar o Presidente da República com vista a governar bem o país e moderar seus poderes num quadro de concertação institucional entre o governo, a oposição, a sociedade civil etc. Dito de outro modo, trata-se de um órgão que, por razão da sua composição, serve como balaustrada, impedindo o Chefe do Estado de abusar dos seus poderes e levando-o a escutar a população. Nesta perspectiva, as reuniões com o Conselho da República constituem para o Presidente da República, uma ocasião para tomar cada vez mais conhecimento dos reais problemas do povo, mediante as alertas dadas pelos membros deste Conselho.
Assim, embora o Chefe do Estado tenha constitucionalmente a competência de definir e conduzir a política interna e externa da nação, a verdade é que ele exerce suas funções com os conselhos e o apoio de vários órgãos ou personalidades entre os quais se encontram os membros do Conselho da República. Com efeito, o Presidente da República não pode, sozinho, identificar todos os problemas do país e encontrar as devidas e adequadas soluções. Daí, os membros do Conselho da República sobretudo, os da oposição e da sociedade civil podem identificar situações que escaparam ao Presidente da República ou que seus assessores no palácio presidencial não querem lhe revelar para preservar interesses inconfessos. Por isso, seria desejável recolher as críticas construtivas ou sugestões destes através de assuntos que eles podem propor ao Presidente da República para inserção na ordem de trabalhos.
Visto que o Conselho da República é somente um órgão consultivo que adopta recomendações cuja aplicação dependa da vontade do Presidente República, o Chefe do Estado pode, recebendo essas recomendações, escalonar sua aplicação a curto ou médio prazo, aplicá-las em momento oportuno, ou também, isentar-se pura e simplesmente da sua aplicação se as circunstâncias ou condições não são favoráveis.
Por todas essas razões, seria desejável que os assuntos que serão objecto de consulta resultem tanto da iniciativa do Presidente da República como dos outros membros do Conselho da República. Assim, o Conselho da República pode reunir-se ordinariamente duas vezes por ano e extraordinariamente sob pedido do Presidente da República ou da maioria qualificada do 4/5 dos membros do Conselho se os assuntos são de extrema gravidade ou importância e enfrentam a indiferença presidencial.
Além disso, importa reforçar a independência dos membros do Conselho da República, revisando o artigo 17.5 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro. Por fim, convém repensar a redacção do artigo 5.3 do regimento do Conselho da República para expurgar a confusão que existe relativamente as condições de cessação das funções de membro do Conselho da República[45]. A resolução desses problemas que ameaçam o bom funcionamento do referido Conselho contribuiria na sua consolidação e poderá poupar o país das críticas e recomendações das organizações internacionais (onusianas: comité dos direitos humanos, comité dos direitos económicos, sociais e culturais, bem como da União Africana, ou de outra natureza como as ONGs internacionais que gozam do estatuto de membro consultivo da ONU) que actuam no âmbito da protecção da democracia, dos direitos humanos e da boa governação. Contribuiria por fim, no fortalecimento do Estado democrático e de direito angolano.
Em jeito de conclusão, aparece que o Conselho da República é uma instituição cuja criação demonstra a vontade do constituinte angolano de trabalhar para a consolidação da paz, da reconciliação, da democracia e da boa governação no país. Procurando cumprir eficazmente com as suas tarefas, a instituição marcou um importante avanço, definindo no regimento de 2019, uma periodicidade das suas reuniões diferentemente dos textos anteriores que a regulavam até 2018. Todavia, as lacunas que afectam seu regimento, nomeadamente, o decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro, podem fragilizar suas acções. Por isso, importa corrigi-las para garantir seu bom funcionamento.
[1] Cf. artigo 135.1 da Constituição da República de Angola (CRA).
[2] Cf. artigo 49.1 da Lei constitucional nº 12/91 de 6 de Maio.
[3] Segundo o artigo 49.2 da Lei constitucional nº 12/91 de 6 de Maio: «Lei ordinária determina a composição, atribuições e o funcionamento do Conselho da República».
[4] Segundo o artigo 75 da Lei constitucional 23/92 de 16 de Setembro: «1- O Conselho da República é o órgão político de consulta do Presidente da República, a quem incumbe: a) pronunciar-se acerca da dissolução da Assembleia Nacional; b)pronunciar-se acerca da demissão do Governo; c) pronunciar-se acerca da declaração da guerra e da feitura da paz; d) pronunciar-se sobre os actos do Presidente interino, referente à nomeação do Primeiro-Ministro, à demissão do Governo, do Governo, à nomeação e exoneração do Procurador-Geral da República, do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas e seus adjuntos, bem como dos Chefes dos Estados Maiores dos diferentes ramos das Forças Armadas; e) aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este o solicitar; f) aprovar o Regimento do Conselho da República. 2- No exercício das suas atribuições o Conselho da República emite pareceres que são tornados públicos aquando da prática do acto a que se referem».
[5] Cf. artigo 76 da Lei constitucional de 1992 que dispõe que: «O Conselho da República é presidido pelo Presidente da República e é composto pelos seguintes membros: a) o Presidente da Assembleia Nacional; b) o Primeiro-Ministro; c) o Presidente do Tribunal Constitucional; d) o Procurador Geral da República; e) os antigos Presidentes da República; f) os Presidentes dos Partidos Políticos representados na Assembleia Nacional; g) dez cidadãos designados pelo Presidente da República».
[6] Cf. artigo 77 da Lei constitucional 23/92 de 16 de Setembro segundo o qual: «1- Os membros do Conselho da República são empossados pelo Presidente da República. 2- Os membros do Conselho da República gozam das regalias e imunidades dos Deputados da Assembleia Nacional».
[7] Cf. artigo 75.1 al. f) da Lei constitucional de 1992.
[8] À luz do artigo 135.4 da Constituição de 2010 : «O Regimento do Conselho da República é aprovado por decreto presidencial».
[9] Cf. ponto 17 da proposta de Lei de revisão constitucional.
[10] Cf. artigos 135.2 al. a) a g) da Constituição de 2010 e 2.1 al. a) a g) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[11] Os membros de direito do Conselho da República são sucessivamente o Vice-Presidente da República, o Presidente da Assembleia Nacional, o Presidente do Tribunal Constitucional, o Procurador-Geral da República, os antigos Presidentes da República que não tenham sido demitidos do cargo e, por fim, os Presidentes dos partidos políticos e das coligações de partidos políticos representados na Assembleia Nacional. Dito de outro modo, trata-se dos membros do Conselho da República enumerados nos artigos 135.2 al. a) a f) da Constituição e 2.1 al. a) a f) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro. Quanto aos membros nomeados, são os dez (10) cidadãos designados pelo Presidente da República em conformidade com os artigos 135.2 al. g) da Constituição de 2010 e 2.1 al. g) do decreto acima referido.
[12] Cf. artigo 15 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[13] Cf. artigo 12 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[14] Raul Carlos Vasques ARAÚJO, Introdução ao direito constitucional angolano, Luanda, CEDP/UAN, 2ª ed., 2018, p. 201. Convém acrescentar que os textos que regulavam a organização e o funcionamento do Conselho da República eram o decreto presidencial nº 96/11, de 19 de Maio, que aprova o regimento do referido Conselho e o decreto presidencial nº 30/94, de 29 de Abril, que aprova o estatuto dos membros do Conselho da República, todos revogados. Esses textos não tinham fixado uma obrigatoriedade nem uma periodicidade das reuniões do Conselho da República. Sendo a convocação das reuniões dependente da vontade discricionária do Presidente da República, o Conselho da República reuniu-se pela primeira vez sob a presidência efectiva do Presidente José Eduardo dos Santos somente em Fevereiro de 2015 para reflectir seriamente sobre a crise dos preços do petróleo. A esse efeito, cf. https://jornaldenegocios.pt/economia/mundo/africa/angola/detalhe/presidente_da_republica_de_angola_reune_conselho_da_republica_devido_a_crise_do_petroleo, consultado aos 21.01.2020. Na sua tomada de posse como Presidente da República, o Presidente João Lourenço reuniu-se pela primeira vez com o Conselho da República aos 22 de Março de 2018 com vista a reflectir sobre os constrangimentos do orçamento Geral do Estado e as possibilidades da sua revisão. Para mais pormenores, cf. www.angonoticias.com/Artigos/item/57451/conselho-da-republica-reune-se-pela-primeira-na-quinta-feira.
[15] Cf. artigo 19.1 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro segundo o qual: «1. Compete ao Presidente da República fixar a ordem de trabalhos».
[16] Cf. artigo 17.1 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[17] Cf. artigo 17.4 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[18] Cf. artigos 26 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro e 135.3 da Constituição de 2010.
[19] Cf. artigo 29 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[20] Cf. artigo 28 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro que enumera vários privilégios entre os quais, o benefício de subsídio mensal e assistência, viatura protocolar, passaporte diplomático, assistência de saúde etc.
[21] Cf. artigo 27 al. a) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[22] Cf. artigo 27 al. c) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[23] Cf. artigo 27 al. b) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[24] Cf. artigo 17.5 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[25] Cf. artigo 27 al. d) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[26] Cf. artigo 4.1 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[27] Cf. artigo 5.1 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[28] Cf. artigo 5.3 e 4 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[29] Cf. artigo 4.3 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[30] Cf. artigo 5.3 e 4 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[31] Segundo o artigo 5.5 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro: «Para além do disposto no número anterior, os membros do Conselho da República referidos na alínea g) do nº 1 do artigo 2º do presente Regimento cessam funções por decisão do Presidente da República».
[32] Cf. artigo 135.4 da Constituição de 2010 segundo o qual: «O Regimento do Conselho da República é aprovado por decreto presidencial».
[33] Cf. artigo 3 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[34] Cf. artigo 3 al. c) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[35] Ao passo que o artigo 75.1 da Lei constitucional de 1992 determina os assuntos que devem ser objecto de consulta, dispondo que «O Conselho da República é o órgão político de consulta do Presidente da República, a quem incumbe: a) pronunciar-se acerca da dissolução da Assembleia Nacional; b) pronunciar-se acerca da demissão do Governo; c)pronunciar-se acerca da declaração da guerra e da feitura da paz; d) pronunciar-se sobre os actos do Presidente interino, referentes à nomeação do Primeiro-Ministro, à demissão do Governo, à nomeação e exoneração do Procurador-Geral da República, do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas e seus adjuntos, bem como dos Chefes dos Estados Maiores dos diferentes ramos das Forças Armadas Angolanas; e) aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este solicitar; f) aprovar o regimento do Conselho da República», e que a Constituição de 2010 silencia-se sobre a questão, o artigo 3 al. c) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro dispõe que o referido Conselho tem a competência de «apreciar os demais assuntos submetidos pelo Presidente da República».
[36] Cf. artigo 19 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[37] www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2018/2/12Recomendacao-Conselho-destaque-semana.5960474c-d682-4b43-a695-45bc816ae511.html.
[38] Cf. artigo 17.4 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[39] Cf. artigo 17.5 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[40] Cf. artigo 17.5 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[41] Cf. artigo 27 al. b) do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[42] Segundo o artigo 4.2 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro: «Os membros do Conselho da República referidos na alínea e) do nº 1 do artigo 2 do presente Regimento iniciam funções com a tomada de posse do Presidente da República que o substitui no cargo».
[43] Cf. artigo 5 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[44] Cf. artigo 5.3 e 4 do decreto nº 1/19 de 7 de Janeiro.
[45] Suprimindo o número 4 do artigo 5 do regimento do Conselho da República, o artigo 5.3 do mesmo poderá ser reformulado da forma seguinte: «Sem prejuízo do disposto em lei especial, os membros do Conselho da República cessam funções nas situações seguintes: a) renúncia; b) perda dos seus direitos civis e políticos; c) incapacidade física ou mental definitiva; d) Abandono de funções; e) morte».
- Théophile KODJO, «Reflexão sobre o Conselho da República na arquitectura constitucional angolana», Multipol, 08/03/2021
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